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Amoras. O bolo era de coco e amoras. Amoras que crescem espontâneas e livres.

Apanhei-as com as mãos e uma bacia, em cima do banquinho que servia para chegar a todas as coisas, quatro pés de ferro e um minúsculo quadrado de madeira. Apanhei-as com cuidado. As amoras eram tão livres quanto frágeis, se as apertasse sangravam muito e ficavam deformadas. Tinha que ser com cuidado. Cuidado também com os bicos de pés na beira do banco contra o muro muito alto, que separava a casa, da praga das silvas. E, na incessante e perigosa procura, de repente, a bacia era uma preciosidade, um tesouro que me apertava o coração. Um tesouro que vinha de uma praga e era frágil e doce. Muito doce. A matéria para a minha obra prima.

Teria 12, 13 anos. Talvez. Nunca fui boa a registar memórias com datas e tenho pena.

O coco e as amoras foram o casal perfeito. O coco deixava espaço para as amoras em qualquer parte. E depois, e depois tinha aquele toque delicado e cavalheiro, não as apertava, nem deformava. As amoras sem o coco não eram assim tão bonitas e o coco sem as amoras não parecia neve.

Estava determinada a que gostassem também do interior. Lembro-me de pensar entusiasta e desvairada, enquanto ainda laborava na apanha: “(…) não… o interior tem de ser ainda melhor!”. Então, coloquei-lhe recheio. De, amoras. O coco não se incomodou de maneira nenhuma. Afinal de contas, ele estava em todo lado.

Teria 12, 13 anos e hoje, parece-me que percebia de amor. Parece-me que já namorava com as coisas da vida, quando a vida era uma casa de sonhos cheia.

Hoje, hoje já não há silvas. O que eu amava aquela praga.

Gabriela Relvas

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