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Estou atordoada contigo e é visceral. Não sei se alguma vez te perdoo, mesmo que amanhã esqueça tudo. Hoje não te perdoo. Hoje, a esta hora, neste frio, não te perdoo. E devias saber que não se fazem destas coisas que assassinam o coração. Tenho os meus cotovelos e joelhos em cima de estilhaços de vidro, mais, todas as minhas esquinas me doem. As minhas pontas também, pronto, a barriga que cobre o intestino, a pele que cobre as articulações onde conto os meses 30 e 31, e os pulmões que agora me respiram, no frio. Devias ter clemência e aparecer a cima dos 25 graus, não no frio. No frio nunca. Devias permitir que fosse atirar-me por caminhos que não sei e sair do carro em qualquer parte sem ficar com dores de garganta, febre, pingo no nariz. Sou assim, sensível a tudo, até ao frio. Dói-me a garganta, dói-me o grito, dói-me o silêncio. Devias dar-me ganas de ser uma desgraçada de verdade, mas fizeste-me fraca, fizeste-me fraca com o teu tempo que demora a revelar-se bom agouro. Se ao menos eu pudesse deixar de existir sem deixar dor, hoje, só hoje.
Vai mas não te tires de mim ou não me tires de ti, escolhe a ordem, como preferires, hoje para mim é tanto faz, hoje para mim é “tanto se me dá como se me deu”. Vês, expressões que nunca te atribuo (como se te conseguisse magoar com um “tanto se me dá como se me deu”). Vai.
Se ao menos eu te conseguisse magoar. E de que me valeria? Não tenho qualquer vontade, sonho ou intenção em magoar-te. E se te vejo de fora das minhas vísceras e umbigo, tantos são os que te magoam que acho que és para mim um efeito boomerang que não foi ao seu dono. Problema de obstáculos, ou ventos. Calhaste-me assim.
Vida, que te faço? Que me fazes? Sou eu que te faço? Vida, preferes que te chame mundo? Ah… hoje é tanto faz. Então vou chamar-te vida, por agora, vejo-te de microscópio. Vou chamar-te mundo quando usar o telescópio, pode ser? Ou então não te chamo e não quero nada contigo.
Não me apetece dizer mais nada. Desculpa, apetece sim, mandar-te à merda. Não tenho melhor para dizer, gastaste-me o argumento.

Gabriela Relvas

Upgrade-AVP Annuza

One Comment

  • Inês Bento diz:

    Está fantástico! Arrepiante! Sem palavras…
    Amei!
    Adoro a maneira como escreves, tão pura, tão linda, tão sentida… gosto tanto mas tanto! Tão doce…
    Muito obrigada querida Gabriela!
    Um beijo enorme e anseio pela próxima crónica!❤

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