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Ouço-o por muitas vezes, na boca de tantos que conheço mal, de muitos meus próximos e dos poucos que me estão altamente colados: “a vida mostra”, “a vida ensina”, “tinha que acontecer”, “estava escrito”, “era destino” “estava predestinado”, “eu sabia que ia acontecer”. Não me estou a lembrar de outras reuniões de palavras que vão lá dar, ao mesmo. Sendo que este mesmo é divisível e tratando-se do subjetivo, posso correr o risco de isto que estou a afirmar e a colocar no mesmo pacote, não ir ao encontro da tua opinião. É-o para mim. “A vida mostra”, está para mim como o “estava predestinado”, estando eu consciente que a vida mostra realmente, mas hoje, hoje particularmente, não vejo nada. Por isso, deixo “a vida mostra” ao Deus dará, que é como quem diz, ao destino.

Eu não tenho destino e, hoje, especialmente hoje, tenho isto de não o ter como nunca. Não sei sequer se alguma vez tive uma sedução pela possibilidade da existência de um destino para mim desenhado. Talvez num dia azedo, acreditei que o destino amanhã se ia revelar deslumbrante. E o mesmo aconteceu num dia com um pico de felicidade imensa, onde a concentração de coisas boas me levou à ideia de que há um caminho sem igual à minha espera feito pelas estrelas. Se o pensei, foi rápido, pronto, pensei-o efetivamente, mas foi rápido, tão rápido como a velocidade a que pedimos um desejo e depois nos desligamos dele. Foram trincar de velas e alguns engolir de passas. Acreditares passageiros, facilitismos da minha mente e, às vezes, injeções de força. Mas, a grande maioria da minha existência não acredita em destinos. Digo isto, a olhar um céu a abarrotar de estrelas, com o privilégio da banda sonora ser formada por grilos, alguns cães e um rumrum de um gato que não é meu, mesmo aqui no meu colo. Estou sentada algures no prenúncio do Alentejo. Curioso usar a palavra prenúncio quando afirmo não acreditar em destinos desenhados. “Rumrum”. Tu, que tens 7 vidas queres dizer alguma coisa? Sabes que estás a ser uma companhia maravilhosa? Estás não. És. És mesmo. Hoje precisava de uma opinião como a tua. Um “rumrum” açucarado.

Na verdade a vida é uma trabalheira imensa. Ainda assim, gosto de acreditar que sou eu que tenho o trabalho todo. Assumir as minhas pegadas. Assinar eu esta coisa. Quando dá tanto trabalho vão querer que outro assine por vós? Vão? Como? A minha mente não tem abertura para tamanha falta de pulso. E depois… depois, como posso eu aceitar um “estava predestinado”? Como? Como podes tu dizer “eu sabia que ia acontecer”? Como? Eu não sei de nada. E hoje, hoje, por muito que o céu a mim me mostre estrelas, sei que amanhã vai continuar a ser aquela trabalheira danada. Amanhã talvez caia no facilitismo, na injeção de força de mãos dadas com o além. Não sei. Não sei de nada. O amanhã faço-o eu. Não sei como o vou fazer, não está organizado, muito menos pensado. É assustador. Esta merda parece o solitário homem do doris na pesca do bacalhau. Falo de mim. Não de ti, falo de mim particularmente hoje. Tu, tu podes ter um doris florido e um destino traçado pelas estrelas. This is rock’n’roll baby. Ou então, sem destino, fazeres uma travessia danada.

“Rumrum”.

Gabriela Relvas

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