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Daqui a precisamente 5 dias faço 35 anos e é inevitável o estacionário sobre a paisagem. Descobri o nome da manobra estes dias, estacionário. Aquilo que os helicópteros fazem quando estacionam nos céus. Ficam ali, pendurados no ar, sem sair do lugar, a ver. Tenho ficado então estacionada nos céus que permitem o acesso à paisagem da minha vida. A ver sem progredir, a ver, só a ver. E, cada palavra que me sai, parece vítima de análise. Altamente estranho e perturbador. O filme mais merdoso de sempre e às vezes a paródia mais refrescante, inusitada e excepcional. “Verdadeeee”, diria uma das minhas personagens, num português tosco com sotaque polaco. Pois é. Sou atriz, ou pelo menos, tenho vindo a ser, para os que não sabem e se cruzaram comigo agora mesmo de helicóptero. E é neste vindo a ser que dei mim a sê-lo, como também o sou jornalista. Já está, estou a ver, tchiiiiiiiiiiiiiii… a volta foi mesmo longa. É incontornável, mesmo que venha a ser outras coisas depois destas. Acho que 15 anos já é casamento duradouro. Nos dias de hoje, espetacular. Falei dele, sem que pensasse em falar dele, estou mesmo casada. Tenho é dois maridos, o que facilita bastante as coisas. Quando vai mal com um, vai melhor com o outro. E continuo a falar de representação e jornalismo. “Verdadeeeeee”. Mas não é o que de “verdadeeeee” importa.

Li algures que a nossa consciência sobre a morte geralmente cai-nos na pele sobre os trintas. E essa sensibilidade, muda, altera-nos os comportamentos sem que o saibamos. Ninguém fala dela, até porque seria bastante ridículo aos trintas pensar-se que se está a morrer. Só que estamos, dia após dia. Então, faz-se uma espécie de cálculo matemático sobre o tempo que nos sobra para fazermos tudo aquilo que queremos fazer no devido tempo, ou com o tempo devido. Acho que dá para os dois. Ora, eu nunca fui boa a fazer contas. Tive um namorado que dizia que “a vida não é saltar de nenúfar em nenúfar”. Sempre que ele o dizia eu tinha contrações musculares involuntárias que me diziam que eu não ia ficar com ele. E o quanto eu gostava dele… o quanto eu gostava dele. Nós não ficamos com quem gostamos. É uma das considerações que tiro da minha novela. Verdade e sem sotaque. Gostar demasiado é insano, deixa-nos as tripas de fora, à mercê desse predador Amor. Depois, depois o tempo cura e já não somos mais as mesmas pessoas. Só no que toca ao nenúfar, somos as mesmas pessoas. Só aí. Que, feitas as contas, fazia de nós um “casamento” pouco duradouro dadas as divergências. Mas as contas, já as faço.

Um nenúfar, dois nenúfares, três nenúfares. Não, por ali vou cair. Que se foda, vou na mesma. Este nível de loucura não tem abrigo. E é com a certeza de que não ficamos com o predador Amor, que ambiciono encontrá-lo no meio da multidão embriagada. Outro. Descalço, vazio, sem abrigo. E que faça mal as contas.

Não tenho juízo. 

Do estacionário sobre a minha paisagem, a minha sensibilidade perante a morte Existe. O medo hoje é maior que ontem. Estou algo consciente do tamanho da minha enorme imbecilidade. Aguço o empenho em tudo o que faço, sou mais curiosa e ando a trabalhar a impaciência. Do estacionário sobre a minha paisagem, ter quase 35 é ser uma panela de arroz de tomate bem molhado, apurado a gosto, ainda a ferver. Pronto a servir, só aos quase 45.

Gabriela Relvas

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