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– Há muito que não escreves um poema Helena.

– Acho que só devemos escrever um poema quando ele nos sai.

– Queres explicar?

– Não. Mas sabes que vou explicar.

– Porquê?

– Porque sinto esta espécie de agonia quando deixo coisas por fechar.

– É só uma pergunta Helena. Ficas no teu silêncio se assim o escolheres.

– Eu sei.

– Relaxa.

– Não digas isso.

– Porquê?

– Porque pareces-me sempre mais detentor da verdade quando me dás conselhos. Porque mos dás se não os quero? Apesar de seres a minha consciência e eu a inconsequente da nossa relação, não te acho mais inteligente por isso! Na verdade pareces-me muitas vezes burro.

– De que ferves agora Helena? Quem te fez mal?

– Ninguém.

– Então? Atira.

– Os poemas são como a água que corre. Tens que ter água.

– Não tens água?

– Tenho até uma inundação. 

– Então de que te queixas?

– Somos animais de hábitos.

– É como me dares na cabeça? Na tua cabeça!

– Acho que estou maluca. Há uns anos o meu professor de Teatro disse-nos numa das primeiras aulas: “os que não forem loucos podem sair”. Naquela altura senti que lhe menti.  Deixei-me sentada na ambição de um dia ficar louca. E não é que fiquei!

– Foi o curso Helena?

– Qual curso?

– O curso de que falaste agora mesmo!

– Sabes quando te chamo burro só com o olhar. Esquece isso. Burro. Claro que não foi o curso! Fui mesmo eu que adoeci a mente. Enlouqueci a escavar as vísceras, nesta necessidade insaciável de guardar o mundo em mim.

– Estás a fazer um poema?

– Estou?

– Não sei. Diz-me tu.

– Acho que estou a viver um poema. Devo ter feito alguma coisa boa. Dou por mim a pensar na cigana que me leu a mão há uns anos largos: “a vida vai demorar muito a ser boa contigo… mas quando a maré boa chegar não vais ter mãos para abraçar tudo”.

– Isso está a acontecer-te agora?

– Não faço ideia. Gosto de ficcionar as coisas, a realidade tira-lhes brilho.

– Sabes que viver dentro de ti não é fácil. Sabes disso? Acaba.

– Deve ser isso. Estou a viver um poema, por isso não consigo escrevê-lo. É tudo demasiado tanto. Preciso sossegar. Sinto-me a borbulhar no meio de uma inundação. É tão bom que tenho medo. O poema não me sai porque está-me colado, a viver dos poros e dos cabelos que me pontuam a pele. Não me sai.

– Relaxa.

– Cara***.

Gabriela Relvas

 

 

 

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