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Como se sente o Amor?
Como será essa coisa que nos transforma. Dizem-no. Dizem tanta coisa. Eu já não me lembro. Como poderei eu dizer que não me lembro? Mas não me lembro. Como é?
Ontem disseram-me, “faz-nos cócegas”. Faz? Faz mais o quê? Cócegas não me pareceu suficiente.

Abro a mão com os dedos bem separados uns dos outros e encosto-a devagar ao peito. Devagar e com cuidado. Deixo-a ganhar força gradualmente, numa tentativa de o agarrar à socapa. O coração, a minha bomba relógio parece deixar. O sacana parece deixar, mas ri-se de mim, que não o agarro estando ele mesmo ali à mercê dos maiores estragos. Queria matar-te, mas se o fizer morro e isso já não convém. Era só para ver como sentes, perceber de ti, que percebo nada. Não leves a peito.

Tens andado apertado, eu sei. Mas se estás encaixado no mesmo espaço de sempre e podes movimentar-te da forma que estás habituado, de que te queixas? Tens-me até doído. Obrigas-me a fazer-te esta espécie de massagem barata de vez em quando com a ponta dos meus dedos. Três a quatro movimentos circulares rápidos e está bom. Depois sussurro-te muito depressa, não me morras agora. Agora não. Nem me despedi dos que gosto tanto! Nem fiz tanto do que queria ainda fazer! Por esta ordem. Sempre por esta ordem.

Que medo estúpido de morrer é este Coração? Ontem disseram-me que eu era só uma menina. A concordar com isto, ainda que apenas numa pequena parte, eu não deveria andar a pensar nestas coisas pois não?

A Mãezinha deve pensar muitas vezes. A Mãezinha é a minha avó. Tu sabes. Eles é que não. Mas a Mãezinha tem 88. Ainda assim falei-lhe há dias do privilégio que era durar tanto tempo e ver os filhos, dos filhos, dos filhos, dos filhos… ainda que as pernas não deixem caminhar. Ao mesmo tempo fiquei a pensar como seria estar na cadeira a ver o tempo a passar com a consciência de que as pernas não se vão levantar mais para dançar. Isso guardei-o no Cãoração. Posso chamar-te de Cão?

Seu Cão.

Andas então apertado porquê? Que amas eu não tenho dúvidas disso. Sei até quem amas, vê lá! Aqueles que querias ter tempo para um último abraço se morresses.

Mas não te chega não é? Não te chega nunca nada. Queres cócegas? É isso?

Seu Cão, mas eu não me lembro como se faz para se sentir cócegas. E depois, depois ias dizer que não era suficiente.

Gabriela Relvas

One Comment

  • Hajam cócegas para dar, mesmo não tendo a quem “cocegar”. O coração é grande e cheio para amar. Tu és doce, há muitos que o sabem, mas é coisa que só um não pode saber… têm de saber os dois. ❤

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