A sacana da felicidade está muito longe da ambição e do futuro construído, até porque esse não é nosso! A felicidade é o que temos e não o que não temos. Saber viver na linha da felicidade é isto mesmo, caminhar sem ver a linha. Com passos assertivos até dar ou não dar certo. Mas caminhar.
A luz do dia estava a acabar, mas havia dia suficiente para eu conseguir ver tudo à minha volta, com a definição de uma fotografia que preenche uma pen USB de muitos gigas.
Naquela hora, naquele exato momento, os meus olhos viram coisas estranhas. Sentia uma boa dose de loucura dentro de mim. Quente até! Fora de mim estava frio, acreditem! Começava na ponta dos dedos das mãos, espalhava-se pelo cabelo que mexia e pelas minhas pernas, que naquele momento me pareceram magras de leves (e as minhas pernas estão longe da magreza).
Na caminhada que fazia, a que era suposto ser em passo acelerado antes de a começar, foi aparecendo o céu. Em cada olho meu uma grande angular. Foi aparecendo o caminho até aparecer a paisagem. Em cada olho meu, uma ânsia de sugar aquilo por onde passei antes tantas vezes e que estupidamente (e mais outros tantos advérbios pouco carinhosos) nunca tinha visto ou sequer apreciado, sabem, o apreciar daquela maneira que só tem uma forma, a única que preenche o significado e que em nada está relacionada com a forma como se gosta de um par de sapatos.
Como é possível? Perguntei-me, mas não me perdi mais nessa interrogação. O que via era superlativo.
O meu disco de memória ficou cheio. A rebentar. Até as pessoas que por mim passavam guardei. Olhei e vi tanto, que foram os 45 minutos mais bem preenchidos (comparados com os muitos 45 minutos de momentos na minha vida).
As pessoas. Vi-lhes o jogging obrigatório com o peso do “tem que ser”. Vi-lhes os problemas no olhos. Na postura. Vi-lhes as preocupações nas costas que não levavam mochila. E vi a comparação. Naquele exato momento eu não carregava nada nas costas, eu não caminhava em esforço, eu sentia o chão, o céu e o quadro entre os dois. Via o desenho das árvores e a luz no rio enquanto sentia o meu corpo presente, tão presente. Via-me feliz.
Eu ali, a ver-me a mim e a ver a multidão (acredito que as 30 pessoas que vi são uma boa representação da multidão). E a multidão a olhar para dentro de si.
Deuses! Como este lugar é bonito!
A felicidade é a sacana que não se vê e está em todo o lado! É a gargalhada quando sabemos que vamos almoçar. É o olá da manhã ao amigo. É o chegar a casa. É o ir para a cama quando se está cansado. É o café cheio que gostamos. É escrever para quem gosta de escrever e o ler para quem lê. É o ter conseguido beber aquele litro e meio de água ao longo do dia! É a discussão sobre o assunto que se gosta! É o saber porque se está triste e querer deixar de estar. É estar presente no lugar onde se está. É apreciar a paisagem. É ter um arrepio e gostar da sensação.
A sacana da felicidade está muito longe da ambição e do futuro construído, até porque esse não é nosso! A felicidade é o que temos e não o que não temos. Saber viver na linha da felicidade é isto mesmo, caminhar sem ver a linha. Com passos assertivos até dar ou não dar certo. Mas caminhar. Sabendo sempre que a tristeza existe para que a felicidade se faça notar.
Então é isto. A felicidade são muitas coisas pequenas juntas. Tantas que as confundimos com outras coisas. Chegamos a chamar-lhe de rotina e necessidade básica, quando ela está a ser ela no seu estado mais pleno!
Tenho por hábito dizer que sou muito feliz, porque acredito que uma boa imaginação é provavelmente a melhor aliada da felicidade. Acredito não, é mesmo.
Eu tenho-me a mim. Eu respiro, eu tenho mãos, uma boca e ainda me deram um cérebro para que eu possa saber fazer coisas e escolhas! Digo isto muitas vezes quando me atrevo a pensar na ausência de felicidade na minha vida. Pura e simplesmente essa ausência não existe.
Gabriela Relvas