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– Helena?

– Hum?

– Na cama não se resolvem as coisas… ainda por cima tu não sabes dormir à tarde. Não sabes, lembras-te?

– Nem gosto. Se por milagre eu pudesse ver um desejo realizado, sabes o que pedia?

– Não Helena. Não sei. Desconhecia que gostavas que alguém erguesse as coisas por ti.

– Ainda não me resolvi quanto a isso, mas… olha lá, podes parar um bocadinho com esse tom que me esmaga? Tens um tom. Foda-se! Podes às vezes, só às vezes, não saberes de tudo? Sei lá! Fingir que sabes menos que eu? Mas finge bem por favor, que não sou estúpida.

– A consciência também falha.

– A consciência é uma estúpida. Neste caso um estúpido. Imagino-te com voz masculina. Desculpa… desculpa. Tens-me sossegado tantas vezes e quase que me abraças. Acho que é por isso que te imagino um homem. Com braços fortes e enormes para eu me enrolar como um novelo, dos que se compram no setor delicados, só para camisolas de bebés. Sou uma estúpida. Desculpa! Ainda por cima acho-me delicada. Estúpida!

– Pára.

– Parei. Sensível?

– Muito.

– Estúpida?

– Muito. Helena, gosto de ti. Tu sabes, ainda gosto tanto de ti.

– Ainda? Se me foges fico largada a este bicho que sou eu. Vou-me maltratar. Debitar sem filtro. Comer tudo o que me apetece. Ficar diabética! Conheces os meus apetites por doces! Não conheces? Rosnar sobre as pessoas. Vou rosnar!!! Rosnar enquanto como doces e enquanto odeio o mundo e as pessoas do mundo.

– É o máximo que consegues? 

– Quero matar-te mas não posso. Se me foges fico essa gorda rezingona, provavelmente a arrumar carros numa rua esquecida à beira de uma feira muito frequentada num dia da semana! E depois, gosto de ti. Gosto tanto de ti. Não te disse ainda…

– Disseste.

– Isso disse. O desejo não!

  Ah. Atira!

– Ter 4 anos… ou ser o coração de um embrião na quarta semana de gestação. Ter 4 centímetros e 4 gramas. Não sei porque esbarrei no número 4. Acho porque me parece sempre um número em construção. Eu queria estar em construção. É isso! Mas estou tão construída que apetece a demolição! Rimei e não gosto de rimar. Era isto.

– Isso não poderias fazer sozinha. É um facto. Mas rimar podes.

– Leva-me a sério sim? Já imaginaste como seria bom? Voltar a brincar. Ser tudo uma descoberta? Ser inconsequente! Oh meu Deus ser inconsequente! Dizer o que for! O que me der na telha! Tu melhor que ninguém sabes que tenho uma tendência inacreditável em chocar pessoas. Não trabalhar a ginga e a etiqueta? Já imaginaste a liberdade? Não trabalhar a personagem que temos que ser todos os dias para vingar no que quer que…

– Querias mesmo? Querias perder a tua construção para “tal” liberdade?

– Ainda não me resolvi quanto a isso. Sempre…

– Não te resolveste em relação a tanta coisa e achas-te muito construída? Helena, como eu gosto de ti.

– Enquanto gostares de mim, não há demolição.

– Não há enquanto Helena. Nem ainda. E já agora, o teu tom… foda-se!

 

Gabriela Relvas

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