Sinopse

Deixem-me voltar ao narrador, na tentativa de não me parecer tão eu e ficar mais à vontade para me falar. Talvez por nada particularmente emocionante acontecer, ela, conta que aconteça. Então, à mínima oportunidade, elabora. A Ilha da Formiga estava-lhe atravessada! “Um nome cheio de potencial para ser uma vida inteira!”

Uma vida inteira aconteceu-me enquanto escrevia. Juntei um mais um. A Ilha da Formiga, um nome extraído do café das 8 da matina, enquanto comia pão de alfarroba com azeite, que mais sabia a chocolate. Noutros cafés, outras coisas. Aconteceu-me a Helena, com a música espanta-merdas perfeita a provocar-me o ouvido. Invadiram-me Bestas, Dias de glória e de Desapego. E dias em que o amor foi Amoras. O narrador nem sempre foi preciso. Aconteceu com o tempo. O tempo tolda-nos os pensamentos ao mesmo tempo que nos põe nus.

Naquela manhã o nome Ilha da Formiga vestiu-me. Pôs-me pronta. Talvez dê nome a isto, pensei. Este estado de isolamento com mil pensamentos trabalhadores cheios de fome de voz. Alguns a fazerem-me cócegas, outros a foderem-me o juízo. É que isto de viver vai-nos às emoções.

A Autora e o Livro

Estou frente a ele. O meu livro. Duzentas e vinte e duas páginas e uma capa. O coração finalmente a abrandar esta ânsia de o tocar com as mãos. O amarelo torrado como eu imaginava. O peso entre os dedos e a palma da mão. Todas as palavras que o preenchem. A aragem que vem de dentro. Vou levá-lo comigo ao café, passeá-lo. Tantos que já carreguei na mão para cafés da manhã. Nunca o meu!
Perdoem-me a vaidade. Há coisas que queremos mais do que imaginamos. Escrever é um querer constante. Uma cura que não vem de agora. Água quente nas costas, um banho, num novembro quase frio e pegajoso. Estou tão feliz! Se calhar é isto que é mesmo um sonho, o querer dar-lhe continuidade. Não deixar morrer, por precisar. Curiosidade máxima para perceber o que significa viver.

As primeiras crónicas fazem-me corar. Coro da minha ingenuidade como também a gosto. Coro do meu aprender a falar escrevendo. Corarei da penúltima numa dentada, da última, num mergulhar de bolacha no leite. Ao saber que me vou perder, no entretanto, ainda as vivo. As últimas. Ainda estou aí. Sei-o porque me vejo agora do lado de fora da Ilha. Serviu-me como exercício e ainda serve. Que sirva aos homens de entendimento sobre as mulheres. Que sirva a mulheres tão delirantes e normais como eu. Que sirva de companhia a alguém! E que sirva para me curar das obsessões que não sabia que tinha. Ser-me-ia bastante útil eliminar a obsessão por tempo e por bolas de berlim.

Aqui na Ilha, neste chão de isolamento onde me formigam mil pensamentos trabalhadores, sou quase sempre feliz. Acredito que contar me dá tamanhos imensos, os que não tenho quando não conto. E o bom do crescer na impossibilidade de parar de crescer é isto mesmo. Ter de me contar de novo, para poder ser verdade outra vez.
Já não sou a pessoa dos 31 e a pessoa dos 35 acabou agora mesmo de rescindir contrato comigo. Ainda que a Ilha muito me seduza, isto com companhia vai melhor, especialmente quando os anos nos deixam.

A ILHA DA FORMIGA