Skip to main content
0

Estou cheia de remendos. Pós, máscara e mezinhas. Cheiro a cremes e a óleos que compro que fazem lembrar a praia. E a perfumes que por aí vendem, que me lembram o cheiro de dias bons. Cabelos sedosos porque lhes dei de veneno. Engano os meus caracóis endiabrados com frascos bonitos.

Por baixo, a pele com recortes do acne que tive e o tom branco-sujo, manchada do sol que fui absorvendo como uma esponja nos dias que ia de bicicleta e de lancheira e de bola e de amigos.
Tenho nos olhos, azul brilhante-magnético, ou, azul turbo-baço-impenetrável. Dos dias felizes e dos dias que me foram acontecendo amargos. Como sou exagerada em tudo, atiro-me para a rua e corro até me doerem as pernas. Atiro-me para o prato e como até me doer a barriga. Atiro-me para a cama e choro até querer arrancar a cabeça. E atiro-me ao sorriso até me doer o maxilar, o pescoço e o ventre.
Tenho no corpo o reflexo da minha loucura. Estou vincada dos pés à cabeça. Tenho ruas e ruelas a aparecerem-me no começo das minhas bochechas, a entrarem-me pelos olhos e a invadirem-me o sangue com a urgência de cumprirem sonhos. Os de sempre, os que arrumei a um canto enquanto me embrenhava nas coisas de olhos fechados e de forma endiabrada como os meus caracóis.
Parece que me atropelei comigo velha. Uma vez disseram-me que era assim de um dia para o outro, que se via claramente no espelho! Curioso, o ser mais mentiroso que conheço é o mesmo que nos conta a verdade toda.
Hoje tirei os pós, a máscara e as mezinhas. E fui, fui comigo inteira e mais nada. Fui sem urgência. Fui parando onde me apetecia e fui dar à água. Embarquei nas ondas para aqui e para acolá e embrulhei-me na areia. Fui um rissol e a princesa do meu castelo. Cheguei a casa, abri um espumante, vesti aquele vestido que tapa muito pouco, mandei foder a celulite e levei comigo a mulher de convicções fortes. Tive orgulho, tive tanto orgulho.

Gabriela Relvas

Upgrade-AVP Annuza

3 Comments

Leave a Reply