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Tenho tido uma vontade doida de escrever que não vem. Ou seja, na cabeça tenho uma espécie de vazio de ideias que me causa uma inquietude permanente e depois rompem-me o vazio coisas que não são ideias. Coisas instaladas em nós, no osso que está na carne, na carne que está no osso, não lhe conheço a ordem. Lembro-me agora, por exemplo, de uma mesa onde se falava de egos. Cada qual com o seu a falar de outros. Estava pouco participativa, acho que gasta por uma viagem qualquer que fiz sem ir a lado nenhum, passando pelos mesmos sítios, em alguns anos de existência, onde me cansaram os mesmos lugares. Mas ouvir tem isto: é mais cansativo que a porra, ainda assim ouvi e acenei, porque para falar tem que florir e rebentar em nós vontades. Aninhei-me (ao meu ego), armada em não sei bem o quê e ouvi como se não houvesse amanhã. Cansei-me como o car****.

“Elas adoram estar comigo, elas adoram-me”. Concluo, desta frase, dita por uma mulher falando das suas amigas como cordeiros (frase dita enproadamente, de 10 em 10 minutos num par de horas), concluo que: esta mulher doa o seu tempo de excelência aos outros, como se dão moedas a pobres e farinha a patos. Ela enche-lhes o papo e eles gordinhos abanam o rabo. E se imaginar patos gordinhos a abanar o rabo é uma imagem castiça que quase dá azo a vontades de dizer quá quá, depois, se estivermos de foco aguçado, percebemos que quem os alimenta é quem lhes (nos) corta o pescoço.

Gosto de usar os ouvidos antes de tatuar preconceitos. Ali, naquela mesa, ouvi demasiado. Talvez para a próxima não vá e me prefira sozinha, pois a bem da verdade, não acrescentei muito ao conteúdo. Coisas que se vão aprendendo e erros que se vão repetindo, estando depois nos erros com outro conhecimento. Menos parvos, mas não menos estúpidos.

Ia onde? Ah… quero partilhar isto que me vai picando e moendo e que ainda não vos disse.

Atenção: a partilha com estranhos não faz de mim vossa amiga e melhor pessoa, bem como, pode até ser bastante egoísta. “Falo”, não vos ouço e é-me bastante libertador. Benefício próprio declarado.

Ia aqui: ouvir está muito de mãos dadas com o que me magoa desde que me lembro de ir para a escola. Porquê? Porque se ouço não atribuo preconceitos “à cara podre”, ou pelo menos, tento fazer esse exercício, que o é, um exercício complicadíssimo e nunca o fizeram muito comigo.

Esse juízo discriminatório foi-me sempre entregue como uma estampa cor-de-rosa, provavelmente com rendinhas e cheirinhos bons, atenção, isto é um extra (por me intitularem simpática)! Devo-me por isto considerar uma privilegiada. “Ela é tão poucochinho”, foi-me chegando daqui e ali, de gente que nunca me conheceu (e de gente que me conhece). Como que um estalo que te marca a bochecha e fica lá para sempre. Porque sim… pelos cabelos loiros, pela voz que está longe de ter a imponência dos graves, porque pinto os lábios antes de sair de casa e uso saias rodadas, porque gosto de rir e rio quando digo olá. E depois, depois (depois ou ao mesmo tempo) porque bocejei e fui fazer xixi. Porque leio, porque vejo notícias, porque vou ao teatro, porque tenho estes pensamentos perigosos, cheios de ambiguidade que fogem da superficialidade por vós esperada. Assustador não é?

Lembro-me agora dos graves fantásticos da mulher na mesa, dos óculos disciplinados que usava, da roupa que cobria o corpo (bem mais cara que a minha) em linhas sóbrias, porque a sobriedade fica bem. Da pele morena e dos cabelos castanhos apanhados. Lembro-me que a senhora emproada que tem amigas que a adoram não disse uma coisa inteligente que fosse.

Senhores/as emproados/as, viver na sobriedade não me palpita, bem como não me palpita cortar pescoços e ser adorada por cordeiros. O meu intuito não era incomodar, mas se incomodo, peço desculpa. Peço desculpa também por não vos desejar mal algum. Enquanto isso, atirem-me com o preconceito. É muito mais fácil, liberta-vos a dor e está tudo bem.

Da “poucochinho”.

Gabriela Relvas

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