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Comecei a escrever este texto no comboio, esta parte não, esta que vos escrevo agora. Agora, que nunca será o mesmo agora vosso, estou na minha cama. Lá fora está um frio danado e eu tenho dores abdominais de tossir. A febre já passou. O meu objetivo para amanhã é conseguir falar sem que o nariz me pingue. Sinto que a gripe se ri de mim. E eu, que quero rir dela, não posso. Não posso que vem-me a tosse. Ficamos tão ridiculamente incapacitados com uma gripe, que até a forma como falamos dela é ridícula. 

A morte vem-me muitas vezes à cabeça em cenários improváveis. É este o caso, que não penso morrer de uma gripe. E, não é este o caso de maior improbabilidade. A Mãezinha, que é a minha avó, está lá na cama dela. Não sabemos quando será o dia de partida. Ela diz que não tem medo. Esboça um sorriso entre uma falta de ar e outra, debaixo da pele mais bonita que já vi. Conseguirei eu esboçar um sorriso se estiver permanentemente de partida? O coração da Mãezinha sempre foi de outra dimensão, no entanto, “um homem vê-se fodido para morrer”. Dizia-o um tio meu, que se viu fodido para morrer. Parece-me que a vida é filha da puta para os que menos merecem. E, agora que eu ia transcrever o que fui rabiscando no meu bloco, de caneta entre os dedos de Santa Apolónia a Espinho, não faz sentido. Deixei o rio correr para onde não queria que fosse. O assunto era outro. Era sobre vida. Sobre o dar vida a coisas em que acreditamos. 

Dias estranhos estes, em que me agarro à vida quando tudo me parece morrer. 

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