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As que fazem de Donas Alziras, de Senhoras Donas Vitórias e de meninas Camilas na TV são contadas pelas nossas duas mãos. E ressalvo que poderão sobrar dedos. O mesmo serve para o cinema português. Elas têm culpa? Não. Obviamente que não.

– Truz-truz!
– Quem é? Oh Dona Alzira! Como está?

A ficção portuguesa bate-nos à porta e tenho aquela sensação que é o vizinho de sempre. E é. Nunca me entra pela porta dentro uma vizinha nova, um vizinho novo. Sinto que eu e a minha televisão vivemos numa aldeia envelhecida. Todos se conhecem. E sabe-se tudo de todos. Crescemos com os vizinhos de sempre, crescemos a esgotar o “bem-dizer” e o “mal-dizer” sobre eles. Até que: já não se fala, já não se diz nada, já não faz diferença. Aceitamos. E não vibramos.

– Truz-truz!
– Quem é? Oh Dona Fátima! Como está? Ai desculpe Dona Nanda! É que são tão parecidas! Olhe, até a maneira de falar é a mesma!

E é. E são. As mesmíssimas. As Donas Alziras, as Donas Fátimas e as Donas Nandas das nossas vidas, são uma e só uma atriz no nosso televisor. A mesma. A de sempre. Não interessa o nome. Olhamos para ela e percebemos que é a Dona qualquer coisa porque crescemos com ela a fazer de Dona.
Depois vêm as Senhoras Donas. As mais pomposas e vistosas. As Senhoras Donas das nossas vidas têm nomes distintos na TV. A Senhora Dona Vitória, a Senhora Dona Carlota, a Senhora Dona Augusta! As Senhoras Donas na TV saltam de boazinhas a vilãs e de vilãs a boazinhas. Numa novela é vilã e na outra é boazinha. E reparem, as Senhoras Donas são também uma e só uma atriz. Mas trocam de roupa! Lá isso trocam! E de penteado também. Ora um apanhado casual chic, ora tendência ano 60 e 70.
Chegou a vez da menina! E entenda-se que menina é a jovem dos 20 que na realidade pode ir até aos trinta e muitos! E sai uma menina Clara, uma menina Matilde e uma menina Camila!
As meninas das nossas vidas não são como as meninas da ficção! Não! Na ficção as nossas meninas são magras, perdão, muito magras, altas, bonitas e têm dentes que brilham, ingredientes preciosíssimos para o papel! Sempre e antes de todo o resto! As que fazem de meninas são umas cinco! Entram em cena vês à vez. Ora numa novela entra uma. Ora na próxima entra a outra. Na quarta entra a Marlene (que fará de Rita) e na quinta sabemos que será para a Sofia (que fará de Benedita)! Sem qualquer sombra de dúvida! Tudo nos seus conformes!
Perdoem-me senhores e bons rapazes, não vou falar de vocês. É que tenho estado realmente mais alerta para o sexo feminino, o que me diz mais, o que conheço melhor, um sexo forte e por isso talvez as exigências que se desabam sobre ele. Exigimos sempre mais e mais dos que dão provas de força. Está errado. Há aqui algo de insano nesta nossa coisa de explorarmos ao limite a força.

Pode parecer que me perdi no conto, mas não.
As que fazem de Donas Alziras, de Senhoras Donas Vitórias e de meninas Camilas na TV são contadas pelas nossas duas mãos. E ressalvo que poderão sobrar dedos. O mesmo serve para o cinema português. Elas têm culpa? Não. Obviamente que não. Depois de lhes ser oferecido um personagem e dinheiro para fazerem o que mais amam seria completamente louco dizerem não! E não dizem. E acho muito bem.
O que é completamente louco é alguém empurrar pelo nosso televisor dentro e descaradamente sem pedir licença, a aldeia de sempre, a envelhecida, a velha guarda e a nova que já está velha também. Senhores! Queremos vizinhos novos! Truz-truz (desta vez sou eu que vos bato à porta)! Estão aí? Há quanto tempo andam a dormir? Vocês, sim, os que escolhem, os que decidem, os da última palavra. Ou afinal isto é uma amena cavaqueira com os amigos de sempre? Estamos a falar de trabalho senhores. De talento escondido também. De cansaço, porque queremos ver caras novas e o talento das caras novas, que não são novas nisto. De que vale brindarem-nos com bons guiões, como tem vindo a acontecer (saliento o excelente trabalho do argumentista Artur Ribeiro), produções que se têm revelado bem conseguidas, se quando mostram as cartas o jogo é sempre o mesmo! Não há surpresa. E se não há surpresa, não há reação. Apenas e só resignação.

E volto a falar das mulheres. Magras e de dentes brilhantes? A sério? Já não basta a profissão de tamanha exigência e entrega, ainda as querem ver sofrer mais um bocadinho. Não é com toda a certeza agradável decorar textos e textos com fome. Eu posso dizer que não é. E senhores, as Claras e as Matildes das nossas vidas coram quando comparadas com as vossas. Magreza imposta funciona só em banda desenhada. A Olívia Palito deve ser a única que não sentiu na pele.
Se as coisas estão a mudar, mostrem-nos. Desafio-vos! As coisas não mudam com fogachos aqui e ali. Virem isto a sério!

Aplaudo de pé a entrada da Eunice na nova produção que aí vem, devemos-lhe isso! Aplaudo de pé atrizes como a São José Correia, como a Maria João Luís, como a Maria do Céu Guerra, como a nossa Luísa Cruz! São necessárias. Souberam ser imprescindíveis. É certo que são precisos pilares fortes para segurarem grandes construções. De acordo. É certo que esta é a profissão destes nossos pilares por mérito, pelo enormíssimo talento, entrega e dedicação (não têm outra coisa que não esta de representar). O que digo aqui não é de todo para os arrancarem. O que vos peço é para fazerem entrar gente nova também, em maior número, em número considerável. Deixem acontecer mais Catarinas Gouveias (parabéns pela belíssima atriz que te tornaste)! Permitam-nas brilhar! Crescer e aprender com os vossos pilares! Abram as alas dos vossos portões ultra cerrados, olhem mais gente, desconfiem menos e atribuam um voto de confiança ao sangue novo. Não façam castings tão fechados. Sejam mais transparentes no vosso método. Escolham o talento em primeiro e permitam que as miúdas sejam só miúdas, como aquelas que o mundo cá fora tem.

Gabriela Relvas

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