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Contar as coisas como elas são pode parecer a dificuldade de uma vida inteira. Senti isso assim que encostei o meu diário dos 13 anos. Desalinhada com a vontade que tinha de escrever e viver, fui viver. Parecera-me o mais inteligente na altura. E foi. Só quando percebi que implodir servia para escrever, parei. Escrever ensinou-me a parar, mas o mais engraçado foi mesmo eu perceber que estava à espera de um motivo para estas duas coisas: parar e escrever. Não sei que idade tinha, mas as palavras apareceram-me como necessidade. Tenho nas gavetas alguns textos, os outros deitei-os fora estupidamente por não gostar deles. Assim como as fotografias de amores que foram parar por mim ao lixo. É estúpido e agora por muito que me prometa não voltar a fazê-lo, restam-me as fotografias e os textos digitais. Não é a mesma coisa. Menos poético será certamente e a minha caixa de cartão que poderia vir a ser uma relíquia para os meus possíveis filhos e netos está cada vez mais por preencher.

Foi fácil perceber que não valia a pena insistir numa porta semi aberta. Dizia-me o meu pai, “se quiseres escrever não podes ter medo que te vejam”. Ele, nessa esperança de eu deixar a vida de atriz e me dedicar a outro admirável mundo sem um tostão, mas que, no seu parecer, era o meu maior talento. Não me dediquei à escrita, mas continuo a escrever com dedicação. É o meu grande amor, enquanto o outro não vem. O meu discernimento e a minha ingenuidade precisam deste exercício. Vão-me perguntando algumas vezes, agora que vou publicando um texto aqui e ali, “não te fragiliza?” Eu estou consciente que se tivermos o azar da nossa vida ser demasiado desinteressante, à partida, uma porta escancarada pode arruinar o nosso futuro. Ora, a minha vida não é a mais interessante das coisas. No entanto, aos meus olhos, a grande parte dos bons escritores não se importa de ter uma vida arruinada e, talvez seja este desespero na linha do precipício que lhes dê piada. Mas eu acho piada a coisas estranhas como a normalidade, talvez por isso não tenha muitos amigos.

Gabriela Relvas

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