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Exagerar, a Helena andava com sede de exagerar. A vida como ela é não lhe parecia suficiente e por isso desafiava o tempo com a impaciência que imperava a sua existência.

– Os casamentos são feitos de engenheiros e radiologistas. Tudo por amor.

– Essa é a história mais velha do mundo!

– Hum. Talvez tenhas razão. O que levaria um príncipe casar com a filha da escrava?

– Amor?

– Isso existe?

– Estás bem humorada hoje.

– Enganas-te. Até estou. Mas ainda mais antiga que a mais velha história do mundo…

– O quê?

– A insatisfação.

– De onde vem isso agora…

– Porque raio é que depois de construires tudo o que planeavas ter, queres ter o que não quiseste?

– Querer?

– Querer, querer como o que queres quando vais às compras. Não precisas, não te tira o chão, mas queres. Da mesma forma que comes uma tablete de chocolate até te saciares.

– Isso é porque a tua construção planeada não te saciou o suficiente.

– Não. Vai apetecer-te sempre uma tablete de chocolate a uma dada altura da tua vida.

– Vai?

– Não deveria ser eu a dizer-te isto. Mas sabes o que é curioso? A tua construção planeada é também uma coisa que queres como quando vais à compras. Não precisas, não te tira o chão, mas queres. Só dás é mais dinheiro e tempo. E, tendo em conta que o tempo em relação ao dinheiro terá mais valor de mercado, quando fazes mal o teu plano de “casamento” arriscas-te a ficar na miséria.

– Hum.

– E assim vai o mundo, senhores doutores e doutoras na miséria, com uma dieta à base de tabletes de chocolate, que, na maioria das vezes, deve ser a maior das riquezas que lhes acontece.

– E que queres tu dizer com isto Helena?

– A querer e a analisar pela quota do mercado, o meu plano é ser um bombom Glorious. Filamentos de açafrão, baunilha de Madagáscar, trufa francesa, óleo de trufa, flocos de ouro e revestimento de ouro! Uma verdadeira experiência! Mas, como a insatisfação é ainda mais antiga que a mais velha história do mundo, vou vivendo insatisfeita a criar o meu plano de casamento.

– Isso é estúpido.

– Não somos todos?

– Então e o amor?

– O amor é a morte do artista. Tira-te o chão. Qualquer miserável caminha com os pés no chão.

Gabriela Relvas

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