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Amanhã é Natal e ontem usava sandálias. Amanhã é Natal e ontem guardava para amanhã o que havia de fazer antes dos brilhos e da lareira com a mesa dos laços de sangue e de embrulho.
Já há brilhos por aí. Ergue-se da caixa do sótão, sopramos-lhe o pó e ela brilha, a árvore. Amanhã é janeiro porque foi meia noite. Amanhã a árvore volta ao sótão. Amanhã é primavera. E ontem guardava para amanhã o que havia de fazer antes do verão. Amanhã sou avó, ou outra coisa e ontem devorei sopas de leite, apaixonei-me pela primeira vez, ensinaram-me a beber traçadinho no Garcia, trinquei as velas dos 20, deram-me a mim a prova do vinho ao jantar, a menina do bar chamou-me senhora, fui tia nessa mesma madrugada, cantei os parabéns dos 32 em setembro e amanhã é Natal.
Amanhã é só amanhã. Mas amanhã é já amanhã. Não gosto da tua calma aparente, da tua velocidade furiosa. Não me apeteces. Não me preenches porque estás logo ali e nunca me abraças. Estás sempre à minha frente e nunca ao meu lado. Eu vejo-te como uma coisa nova e tu vês-me como passado. Somos a relação impossível e eu insisto em lembrar-te.
Permite-me escrever o teu destino na minha vida. A herança que quero deixar-te, esta de não teres nada meu em teu nome. Esta de eu viver e fazer no minuto agora, para que não existas, para que eu viva tudo, faça todas as coisas e não me falhe nada, porque não existe possibilidade alguma de existires. Vou inventar-te o presente eterno e deixar-me ficar velha porque quero. Por fazer tanto e todas as coisas que consigo no agora.
Quero fazer a árvore, não porque amanhã é Natal, mas porque hoje me apeteces. Porque chove e faz frio lá fora e quero ver-te brilhar rechonchuda e mágica na minha sala.
Não te vou soprar o pó. Vou abanar-te e sacudir-te, vou pôr-te nova.

Gabriela Relvas

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