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Ganhávamos vida em cima das vidas que tínhamos. E eu que nem sabia o que era isto da vida, de tão pequena que era, sentia inconscientemente que aquilo era uma vida boa.

A Vida É Broa Quente Com Manteiga. E se achas que não é, andas a interpretar isto da vida ao contrário. Ou então não gostas de manteiga. Nem de broa. Mas escolhe outra coisa. Uma que gostes!

Na realidade não foi para isto que aqui vim. Não vou falar de pastelaria, nem vender broas. Nem falar de gula. Mas ressalvo que as pessoas pouco gulosas são seres estranhos e devíamos ter cuidado com elas!

Agora sim, o que me trouxe.

Tenho na memória a cozinha da minha avó. Tenho-a vincada. Lá, faziam-se pequenos grandes lanches e não faltava broa quente na mesa. Ela mesmo as fazia. Amassava e cozia. Lembro-me de espreitar o forno a lenha, aquela pequeníssima porta de ferro que dava entrada a um lugar misterioso. Difícil de entender para mim.
Lá no fundo a magia.
Saíam de lá grandes, enormes, vistosas, senhoras e protagonistas da tarde. Depois vinha a manteiga, a reunião, a cavaqueira, a gargalhada desalinhada, desvairada. Só por estarmos ali, juntos e misturados. Éramos um clã. Ganhávamos vida em cima das vidas que tínhamos. E eu que nem sabia o que era isto da vida, de tão pequena que era, sentia inconscientemente que aquilo era uma vida boa. E era mesmo.

Tenho bem vincado o hoje que temos. Ruga de expressão que cresceu por cansaço. Resignação.

O trabalho paga as contas, quando dá para pagar as contas (há a quem sobre, mas para o caso não faz diferença alguma)! Ele, as preocupações e as depressões são já parte integrante desta coisa de sermos humanos. Isto para quem pode! Mas nenhuma destas coisas que disse nos dão vida em cima das vidas que temos.
Devíamos refazer o nosso quadro de prioridades, sem fugir às nossas responsabilidades obviamente. Devíamos proporcionar mais momentos e viver menos os afazeres. Devíamos fazer um bolo e abrir as portas. Devíamos ter rasgo para bater os ovos e a farinha. Cimentar um forno a lenha em casa! E devíamos tornar este ato tradição.
Porque o resto, são só ambições e títulos. A luta por uma troca.

Conquistar o tempo com os que amamos é hoje um verdadeiro feito. Raríssimo. E parece-me que só para super-heróis. Convido-te a contar pelos dedos.

Afinal andamos nós a viver alguma coisa?

Ainda bem que guardo a ruga daqueles dias felizes. Não me importaria de ter várias pelo rosto.

P.S.: Vou comprar os ingredientes e elaborar um protagonista da tarde.

Gabriela Relvas

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