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Era cedo. A minha mãe chegava da missa e eu estava certa que ela trazia coisas que se dizem só com a boca. Agora que escrevo, observo: as pessoas depois da missa falam de tudo menos da missa. Eu, que já não lá vou, lembro-me de lá ir e pensar que “à saída vou comer doces”. O que me faz pensar o quanto eu pensava na missa.

Os domingos já não têm doces no pátio da igreja e sinto que contribuí de alguma forma para a decadência daquele pequeno comércio. Por outro lado, hoje vou a casamentos e há muitos mais doces depois da missa. Parece-me que saí a ganhar.

Então, a minha mãe chega e conta-me o conto dos ovos. Os ovos foram o tema que provocou o atraso à porta de entrada. Esses infames de formas escandalosas preenchidos de pecado e nus estavam completamente irresistíveis àquela hora da matina.

Coloco a questão que me saiu da boca.

– Como chegaram atrasadas se lá estavam antes da hora?

– Foram os ovos. 

E ri como ninguém ri àquela hora. Seguro a barriga com as mãos a dizer à risada para parar e prossigo com a barriga como era antes.

– Como assim, ovos?

– A senhora diz que os come logo de manhã estrelados com muito azeite e uma malga de café com açúcar mascavado. Diz que “é para morrer e é”.

Eu, que gosto mais de doces, deturpei a verdade. E, enquanto a minha barriga arrancava novamente soluçante a provocar-me dores e mais alegria que dores, imagino uma travessa de ovos estrelados coberta de açúcar mascavado, douradinhos como leite creme queimado. Sentia-me já em pecado, capaz de chegar atrasada a grandes ocasiões, mesmo nunca antes ter provada tal travessa. Por breves instantes suspeitei que me devia confessar. Movida por um desejo ardente incontrolável, capaz de acabar com todos os ovos do mundo, imagino a pergunta do padre.

– Minha filha, o que a traz aqui?

– Padre, foram os ovos.

E na minha viagem percebo a ausência de pessoas no pátio da igreja. Vou até ao raspanete pelo tamanho da minha saia, quando eu ainda não tinha curvas, e, paro no dia em que não havia 30 escudos para comprar o doce porque foram deixados no cesto das esmolas.

Gabriela Relvas

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