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Acordar num quarto sem papéis e livros apinhados, sem roupas no armário, sem champôs e cremes na prateleira, sem objetos descriminados nas gavetas, nas cestinhas e mais coisinhas com ares de caixa. Eu então, tenho esta caixinha onde coloco religiosamente os documentos e papéis importantes, mas que de forma impressionante torna-se a caixinha dos papéis que não interessam a ninguém. Não sei o que lhe acontece em cada ano, mas fica cheia de muitos nadas e vai lá sempre parar um carregador de um telemóvel perdido, mais uma chave de uma casa onde morei. A propósito da chave, já morei em tantas casas que não me lembro de quantas. Aqui e ali, por toda a grande Lisboa, em função de um ou outro projeto, poucas vezes em função de onde queria estar. Esqueci-me de acrescentar que nessa caixinha está lá sempre a chave suplente do carro, é de resto o que de mais importante lá mora, ainda assim tem apenas a importância do que custa arranjar outra.
Ia onde? Ah! Na caixa. Depressa se torna dispensável e eu não a dispenso. Fica ali, como caixa mãe de todas as outras que vou arranjando para colocar coisas a que dou preferência e relevância. As outras, são novas, frescas! É impressionante, até para se ser coisa, a novidade pega! Mesmo que a novidade tenha o toque da madeira rústica. Acho que o mesmo serve para as paixões, aquelas que às vezes, por sorte ou azar acontecem às pessoas.
Posso voltar a acordar? Sim? Boa.
Acordar sem e-mails na caixinha digital. Eu diria até, acordar sem e-mail, sem password, sem uma única fotografia minha. Acordar sem rasto. Acordar nua. Nua do meu conto, do meu era uma vez. Acordar nua, numa folha branca.

Posso soprar?

Gabriela Relvas

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